Ser. Um verbo de ligação que aprendemos a utilizar desde tenra idade, a classificar facilmente nas aulas de análise sintática e a respeitar — mesmo inconscientemente — como um verbo ligado à nossa própria natureza. “Sou fulano”. “Sou inteligente”. “Sou um cidadão consciente”. “Sou uma pessoa interessada no bem-estar dos outros”. “Sou bem-humorado”. Somos uma série de coisas. Não nos damos conta, às vezes, de outras tantas séries de coisas que somos. Simplesmente somos.
Este simples “somos”, porém, talvez passe despercebido da maior parte de nós, ocidentais, cuja maneira de ver o mundo e leitura de tempo estão atreladas a uma ausência de reflexão interna, de auto-avaliação, de medo de entender que somos incapazes de compreender nossa natureza mais simples e mais instintiva. Parafraseando os mecanicistas, eternos rivais dos vitalistas do século XIX, poderia ousar dizer que nosso organismo biológico, afinal, não é mais que um mero e intrincado conjunto de trilhões de unidades morfofuncionais, denominadas anatomicamente células, cuja composição química depende, fisiologicamente, do controle elétrico de impulsos que caminham por feixes nervosos. Em resumo: moléculas químicas reagindo entre si e dependentes de corrente elétrica? Sim. Simples e complexo. Um microcosmo formado por milhões de outros microcosmos. Simples como o verbo ser. Complexo como suas implicaões práticas.
Aonde pretendo chegar com esta reflexão preliminar? A questão do ser tem tomado o centro de mesas-redondas em várias instâncias do conhecimento científico atual. Particularmente no âmbito das ciências biológicas, a ecologia e suas áreas afins têm proposto reflexões aos cidadãos do Novo Milênio. Somos, queiramos ou não, uma biomassa significativa da crosta terrestre, com influência positiva ou negativa sobre o meio que nos cerca. Tais reflexões acerca de nossa aão na natureza talvez não tenham tomado lugar nas contribuiões ao conhecimento científico contemporâneo de cientistas como Haeckel e Odum¹, por exemplo. Talvez nunca interessem ao cidadão ‘comum’, que não entende o porquê da ciência e das coisas acadêmicas. Talvez sequer cheguem a ser a pauta de discussões dos futuros dirigentes do mundo. Mas a resposta dada a tais questionamentos pode mudar o rumo das coisas e reverter a Roda da Fortuna, desbancando as três moiras que governam o destino da humanidade.
Uma destas reflexões pode ser desencadeada pela pergunta “Somos ou estamos ecologicamente conscientes de nossos atos e seus efeitos no meio ambiente?”. O ser humano é a espécie animal que pensa a ciência e procura explicar a natureza do ponto de vista de seu próprio entendimento, fazendo parte de um ciclo vital com elos inimagináveis, inter-relacionados entre si de maneiras as mais insondáveis possíveis. A dúvida é: somos conscientes de nossos atos? Se a resposta for um empolgante e sonoro “sim”, devemos cantar os parabéns... chegamos ao ponto de deslumbrar novas consciências que procuram fazer uma leitura de mundo mais atenta e mais desafiadora, voltada ao que chamamos de ecologia sustentável, ou seja, aquela que mantém equilibradas as esferas humanas — em seus amplos aspectos, tais como o social, o cultural, o de lazer etc. — e de recursos naturais e biodiversidade. Se a resposta for um acanhado e boçal “não”, creio que é hora de refletir sobre conceitos e posturas. Talvez não estejamos sequer sensibilizados sobre nossos próprios atos e suas influências sobre os demais níveis da biosfera.
Estar ecologicamente consciente de nossos atos e seus efeitos no meio ambiente pode significar algo momentâneo e sem um sistema radicular sólido; em outras palavras, pode ser um modismo puro e simples — legal falar de ecologia hoje em dia” — ou uma opção razoável que pode, em um dado momento, ser substituída com facilidade (e sem receios!) por outra preocupação mais pertinente. Estar, do ponto de vista do comprometimento sócio-econômico-biológico, pode ser uma reação pungente e, até certo ponto, iconoclasta — romper o status quo em que se encontra o meio ambiente e a sociedade e criar alternativas sustentáveis. Mas a transitoriedade incomensurável do estar não tece tramas consistentes, não cria raízes verdadeiramente presas ao solo. O estar veste-se de algo novo, de vanguarda, com toda a pompa e a circunstância. Sua roupa, porém, pode ser tão frágil como a casa construída sobre a areia fina. A maré alta e as adversidades atmosféricas logo derrubam a casa, deixando-a à mercê das intempéries, que acabam fazendo o resto da tarefa.
Ser ecologicamente consciente de nossos atos e seus efeitos no meio ambiente é, antagonicamente, algo muito mais profundo e comprometido. A visão iconoclasta persiste, porém fundamentada em práticas consistentes, cujos alicerces tornam-se sólidos com o passar dos anos e cujos baluartes não tendem a decair pela ação das intempéries. Os modismos vêm e vão, porém a estrutura interna não é atingida. Ser consciente depende, muitas vezes, de uma vida inteira. Nem sempre é fácil ser. Às vezes, é muito mais cômodo estar que ser. Porém ser é muito mais gratificante, muito mais vivo.
O que resta, então, a dizer? Não há como julgar as pessoas e derramar sobre elas um mea culpa obstinado. Não há como estabelecer parâmetros globais e dizer que o mundo está ou é ecologicamente consciente de seus atos e seus efeitos no planeta. Não pretendo cair no chavão “faça a sua parte”. É um imperativo que deveria ser uma constante em nossas vidas. Chegou a hora de repensar valores e atitudes frente às dificuldades e obstáculos que a Terra nos coloca, em seu choro premente e cada vez mais alto. Chegou a hora de ser e deixar de estar. Sejamos, pois, eco-cidadãos de verdade, e não apenas eco-interessados ou eco-amigos, no vaivém do modismo ecológico.
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